Em entrevista exclusiva ao Por dentro do Coronavírus, o economista Luís Artur Nogueira projeta o cenário brasileiro pós-COVID-19
Estabelecer um equilíbrio entre a necessidade do isolamento social e a manutenção de uma economia em funcionamento, mesmo com capacidade reduzida, é um dos principais desafios das autoridades brasileiras durante a pandemia do novo coronavírus. A retomada gradual de algumas atividades comerciais, que já está ocorrendo em alguns Estados, e deve ser mais acentuada a partir da segunda semana de maio, requer um planejamento estratégico para que essa curva de aquecimento econômico não aumente o número de casos da doença.
O que fazer para minimizar o crescimento de contágio, preservar a vida das pessoas e, ao mesmo tempo, manter algumas empresas em atividade, principalmente as pequenas e médias, para que a economia pós-pandemia não comece do zero? O Por dentro do Coronavírus conversou com o economista Luís Artur Nogueira, que falou sobre os principais aspectos relacionados à COVID-19 que impactam diretamente no dia a dia das pessoas.
Por dentro do Coronavírus (PDC) – Como estabelecer um equilíbrio entre a necessidade do isolamento social e a manutenção de uma economia em funcionamento mesmo que com a capacidade reduzida?
Luís Artur Nogueira (LAN) – O primeiro ponto é não criar o embate entre saúde ou economia. Ou o isolamento ou as pessoas trabalhando. Isso não existe. Na verdade, precisamos encontrar formas inteligentes de fazer as duas coisas. É natural que no primeiro momento da pandemia tenhamos um isolamento social mais amplo e que a maioria da sociedade contribui para que a disseminação desse vírus não seja tão rápida e dê tempo para que as autoridades preparem o sistema de saúde para receber as pessoas que forem ficando doentes.
PDC – Os Estados estão se planejando para o isolamento social vertical, o chamado lockdown vertical seletivo gradual. O que esperar desse tipo de medida?
LAN – Temos que dividir isso em três fases: na primeira, a gente teria a liberação do comércio varejista, restaurantes, creches e escolas infantis. É importante liberar as creches infantis nessa primeira fase, pois como uma parte da sociedade vai voltar a trabalhar, esses pais e essas mães precisam ter um lugar onde deixar os filhos.
PDC – E o que podemos projetar para a segunda etapa de flexibilização?
LAN – Numa segunda etapa, você partiria para uma liberação de outros setores de serviços em geral, como salões de beleza, shopping centers, sempre lembrando que a liberação deve ser feita de forma muito criteriosa, com todos os procedimentos de número máximo de pessoas por metro quadrado, uso de máscaras, muita higienização das mãos etc. Não é uma liberação sem critério. É algo que precisa ser feito de forma muito gradual e com muita responsabilidade.
PDC – O que esperar da terceira fase?
LAN – A terceira fase incluiria, por exemplo, a liberação de lugares que são muito fechados ou que têm muita concentração de pessoas: cinemas, estádios de futebol, parques municipais, públicos e privados. E, obviamente, que o grupo de risco só seria liberado quando a pandemia tivesse absolutamente controlada, pois como eles são grupo de risco não podem se contaminar de jeito nenhum.
PDC – Sob o ponto de vista econômico, o que poderia ser feito para minimizar o impacto negativo da pandemia na vida dos brasileiros?
LAN – Item número um: você precisa dar crédito para as empresas sobreviverem à crise. Partindo da premissa que a epidemia tem início, meio e fim – apenas não sabemos qual é o prazo para esse fim -, mas que ela vai acabar, mais cedo ou mais tarde, você precisa dar fôlego financeiro para que as empresas não “quebrem”. Por que é fundamental salvar as empresas? Ao salvar as empresas, você salva empregos. Sem empregos, não haverá a recuperação econômica do Brasil. Isso depende da existência de empresas e consumidores depois da pandemia.
PDC – E como que o Governo pode atuar de maneira prática nesse sentido?
LAN – O crédito barato é fundamental nesse momento. E aí que nós temos sempre um gargalo no Brasil, pois os bancos não querem emprestar dinheiro com medo do risco. Então, caberia ao Tesouro Nacional ser o garantidor desse crédito, principalmente com foco nos micro, pequenos e médios empresários. Além de crédito, neste momento, é fundamental que o Governo injete dinheiro na economia.
PDC – Como isso pode ser feito?
LAN – De diversas formas. Seja através de distribuição de renda como o auxílio-emergencial de R$ 600,00, principalmente para a população mais carente, mais pobre e para os informais. Isso, de alguma forma, o Governo já está fazendo, embora tenha demorado bastante para o dinheiro chegar ao destino. Então, a injeção de dinheiro, na “veia”, é aumentar o bolsa-família, antecipar o 13º salário do INSS, tudo isso ajuda a colocar mais dinheiro no bolso das pessoas.
PDC – Em termos econômicos, o que podemos projetar quando o novo coronavírus estiver controlado?
LAN – Em termos econômicos, eu vejo, no caso do Brasil, do mundo em geral, um tombo muito grande da economia, muito forte agora, principalmente no primeiro semestre, e uma tendência de recuperação gradual ao longo do segundo semestre.
PDC – É possível projetar a velocidade desse reaquecimento econômico?
LAN – É muito difícil prevermos qual vai ser a velocidade de recuperação. Será maior quanto mais a gente conseguir preservar as empresas e os consumidores. Mas, efetivamente, primeiro precisaremos entender qual foi o tamanho do tombo, quanto a economia brasileira encolheu, para começarmos a estimar quanto nossa economia cresceu a partir daí. Preservando o maior número possível de empregos e empresas, teremos, de fato, uma recuperação econômica mais consistente. Se deixarmos, principalmente, os micros, pequenos e médios “quebrarem” na crise, essa recuperação vai ser muito lenta e muito dolorosa, porque não há como movimentar a economia apenas com as grandes empresas. Precisamos preservar os micros, pequenos e médios que são os grandes geradores de empregos no Brasil.
PDC – Qual é o cenário global que você projeta pós-pandemia?
LAN – De uma forma geral, é possível imaginar que o mundo não será mais o mesmo. Eu não sou como aqueles radicais que dizem que o mundo vai ser completamente diferente depois da pandemia. Mas também não acho que o mundo volta 100% ao normal. Porque alguns legados vão ficar dessa experiência de confinamento e isolamento social. Se olharmos para o mundo empresarial, muitas empresas, que jamais Imaginaram a possibilidade de ter funcionários trabalhando home office, perceberam que, em algumas áreas, isso é possível, talvez alguns dias por semana. Isso vai ser um legado importante porque o home office, nesses casos, pode elevar a produtividade, evitar o deslocamento desnecessário e aliviar o trânsito nas grandes cidades. Algum legado, nesse aspecto, vai ficar depois da crise.